quinta-feira, 5 de maio de 2016

vida e o b r a


Sophie Feodorovna Rostopchine (nem tenta falar porque é 


difícil mesmo), mais conhecida como:


A CONDESSA DE SÉGUR 



   LEONINA, nasceu em 1 de agosto, de 1799 na Rússia, na


cidade de São Petersburgo (que já chamou Petrogrado e

 também Leningrado).


Filha de Fiodor Vasilyevich Rostopchine e de Catherine Protassov. Seu pai foi prefeito de Moscovo em 1812, e dele partiu a ordem de atear fogo à cidade durante a invasão francesa, a fim de deixar a cidade arrasada para evitar a sua conquista pelos franceses. Posteriormente, por causa disso, sofreu sanções, tendo que fugir com a família até fixar-se na França em 1817. Sophie converteu-se ao catolicismo e, em 1819 casa-se com o Conde Eugéne Ségur, futuro diretor da Companhia Gare de l’Est, indo morar num castelo na cidade de Nuovettes, Normandia. Mas seu marido não habituou-se à vida rural e voltou a residir em Paris, ocasionalmente indo visitar a esposa. Apesar disso, eles têm oito filhos. Levando uma vida reclusa e dedicada exclusivamente aos filhos e, posteriormente aos netos, tornou-se profundamente católica e defensora dos ideais religiosos na educação das crianças e jovens.

Como tudo começou

Em 1833, por meio de seu ministro Guizot, A França aprovou uma reforma educacional que transformou o ensino primário, obrigando todos os aldeamentos com mais de 500 habitantes a  ter pelo menos uma escola primária. Além disso, investiu na formação de professores do ensino básico e manteve a educação religiosa. A Igreja católica, segundo Guizot, seria a única instituição capaz de “moralizar” os homens, promovendo uma unidade na sociedade, e por isso foi inserida fortemente na educação básica.
Este  cenário favoreceu o surgimento da Sophie de Ségur escritora . A dedicação aos netos fazia com que ela buscasse histórias infantis de sua infância para lhes contar, e com o tempo passou a criar suas próprias histórias, das quais os netos eram, ao mesmo tempo, fontes de inspiração e ouvintes ávidos. Seu primeiro livro, “Os novos contos de fadas”, foi publicado quando ela tinha 58 anos, Algumas de suas histórias foram publicadas em folhetins na revista Semaine des enfants
Em consonância com o aumento do controle social do estado, o editor de livros Louis Hachette, já célebre por editar livros didáticos, inaugura um sistema de vendas de livros populares e morais nas estações de trem de Paris. A recepção a esses livros foi muito boa, o que o fez pensar em editar livros infantis.  O  editor, então, sendo apresentado a Condessa de Ségur por seu marido, firmou com ela uma parceria,  e passou a editar os livros infantis da condessa, que se destacavam dos outros por ter a capa rosa – Bibliothèque Rose. O sucesso foi imediato. Incluiam
Essa coleção oferecia uma leitura de distração e proveito moral.  A Condessa, profundamente católica, escrevia com convicção histórias onde mostrava um modelo de educação, onde valorizava a bondade, a piedade e a fé religiosa, falando das relações no universo familiar, contribuindo para a formação do indivíduo autocontrolado, casando perfeitamente com os objetivos moralizantes e controladores do governo.
Mas seus livros passavam por um rigoroso “controle de qualidade”. Seus escritos eram primeiros mostrados aos filhos e depois passavam por várias mãos, que incluíam os filhos, o exigente marido e por um funcionário do Ministério do Interior, e tinham plena liberdade de interferir, caso algo não os agradasse. Isso porque existia uma forte preocupação com o conteúdo moral destas histórias, não podendo ser publicado nada que não fosse condizente com a moral cristã ou que levasse a qualquer questionamento político, já que essa literatura iria atingir um grande público.
O sucesso editoral da Condessa de Ségur foi enorme, o que lhe assegurou sua autonomia financeira. Sua obra ocupa lugar de destaque na história editorial francesa.

A condessa pelo mundo

A cultura francesa sempre exerceu enorme atração sobre os intelectuais de outros países, inclusive no novo mundo. Esse fascínio favoreceu muito a carreira internacional da Condessa de Ségur. As primeiras edições em língua portuguesa surgiram em Portugal.
Em fins do século XIX chegam ao Brasil os primeiros livros da Condessa, e eram vendidos no original francês pela mais famosa livraria do Brasil na época, a Livraria Garnier, localizada na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro e que funcionou entre os anos de1844 e 1934. Em 1872, a tradução portuguesa do romance Que amor de criança é editada em Paris e enviada ao Brasil em 1874. As primeiras edições brasileira da obra de Sophie de Ségur ficaram a cargo da Editora Francisco Alves, no início do século XX.

Após os anos trinta, com o fim da exclusividade da Biblioteca Rosa na reedição dos romances e contos da Condessa, o que possibilitou o aumento de sua difusão. O sucesso no Brasil foi enorme. A partir dos anos 1970, os títulos passam a fazer parte da coleção Calouro, pouco a pouco,  os personagens e os enredos ganhando uma certa identidade nacional , assegurando sua aceitação cada vez maior pelas crianças brasileiras.





  • 1856 - Nouveaux Contes de fées (Novos contos de fadas), inclui Histoire de Blondine, de Bonne-Biche et de Beau-Minon, Le Bon Petit Henri, La Petite Souris grise et Ourson.
  • 1857 - Les Petites Filles modèles (As meninas exemplares)
  • 1858 - Les Malheurs de Sophie (Os desastres de Sofia)
  • 1859 - Les vacances (As férias)
  • 1860 - Les Mémoires d'un âne (Memórias de um burro)
  • 1861 - Pauvre Blaise
  • 1862 - La sœur de Gribouille (A irmã do inocente)
  • 1862 - Les Bons Enfants
  • 1863 - Les Deux Nigauds (Os dois patetas)
  • 1863 - L'auberge de l'ange gardien (A Pousada do Anjo da Guarda)
  • 1863 - Le Général Dourakine (O General Dourakine)
  • 1864 - François le bossu
  • 1865 - Un bon petit diable (Um bom diabrete)
  • 1865 - Jean qui grogne et Jean qui rit (João que chora e João que ri)
  • 1866 - Comédies et proverbes (Comédias e Provérbios), inclui Les Caprices de GizelleLe Dîner de Mademoiselle JustineOn ne prend pas les mouches avec du vinaigreLe Forçat ou à tout péché miséricorde et Le Petit De Crac
  • 1866 - La Fortune de Gaspard (A Fortuna de Gaspar)
  • 1867 - Quel amour d'enfant! (A menina insuportável)
  • 1867 - Le Mauvais Génie (O génio do mal)
  • 1868 - Diloy le chemineau (O caminheiro)
  • 1871 - Après la pluie, le beau temps (Depois da tempestade)

f o f o c a s do condado

Sophie conheceu o Conde Eugène de Ségur no salão paterno. DIZEM que não foi amor e que esse casório mais se parece com uma cilada cilada cilada!

Enfim... casaram em 14 de julho
 de 1819 
(e a festa foi babadeira, viu?! teve gente pelada, briga de casal, penetra e tudo mais). 


Tooodo mundo sabe que foi um matrimônio em grande parte infeliz, Eugène, o boy da condessa, além de machista era ausente, descuidado e pobre [qualquer semelhança com o mozão é mera coincidência] até ter se tornado um dos Pares de França, em1830  

]a fonte destas fofocas mandou dizer que aumenta, mas não inventa[

a menina i n s u p o r t á v e l

A menina do título é Gisele, uma criança extremamente mimada pelos pais e considerada insuportável pelo resto da família e amigos. O romance inicia com o retorno de Pedro Néri e sua esposa Noêmia e filhos a Paris, acompanhado de suas irmãs Branca e Lourença, que agora viviam com o irmão e a cunhada. Após a morte da mãe ficaram inicialmente com a irmã mais velha, Leontina Gerville, mas dado o caráter intolerável da sobrinha Gisele e da condescendência de seus pais, Leontina e Victor, Pedro se viu obrigado a retirá-las de tal situação. O primeiro capítulo do livro nos coloca a par tanto do temperamento de Gisele quanto da atitude de sua família para com ela.
Tendo-se a Gisela enfurecido certa manhã, na presença do tio, e procurando Leontina convencer o irmão da sensatez e meiguice da filha, não conseguiu este evitar um comentário a propósito.
- Afirmo-te, Leontina, que não vês os defeitos de Gisela; ela é simplesmente insuportável.
- Ó Pedro! Que ideia a tua! Toda a gente a acha agora adorável.
- Sim, acredito que to digam; mas não posso acreditar que te falem com franqueza.
- Se soubesses como me tornei severa! Não só a censuro asperamente, como a castigo sempre que o merece.
- Pois sim; o pior é que ela nunca merece castigo... – diz sorrindo
- Lá isso é verdade; tornou-se meiga, obediente e encantadora. Tu és tão severo para as pobres crianças, que não lhes suportas o barulho nem as faltas leves.[1]

Uma das primeiras travessuras de Gisele é destruir o buquê de aniversário que seu tio Pedro quer dar à mulher Noêmia, entregando-o aos filhos Jorge e Isabel para que façam arranjos. O tio leva-a à força até seu escritório, senta-a em uma cadeira e sem a magoar, prende-a com uma correia e lhe pede que pense sobre a maldade que cometera.
 A atitude enérgica do tio não chega a ser um castigo físico aos moldes dos que sofre a Sofia da trilogia de Fleurville. Isso não impede Gisele de contar à mãe que foi impedida de ajudar a fazer arranjos no ramalhete e que sua tia Lourença a trancafiou (a tia havia feito um comentário sobre sua falta de educação ao não responder seu cumprimento, o que irritou a menina e motivou esta pequena vingança), que a arrastaram por toda a casa e que a ameaçaram com a chibata. O tio teria dito que se envergonhava de tê-la como sobrinha.
A mãe, que no início do livro ainda acredita piamente no seu anjinho, chega a pensar em romper relações com os irmãos. É dissuadida da decisão pelo Sr. Tocambel, antigo amigo da família, descrito como sendo “de uma franqueza benévola, mas que não se constrangia com ninguém”[2], que, ao defender os tios de Gisele provoca outra pequena vingança: ela se refere a ele como velho e faz gozação de seu couro cabeludo desprovido de cabelos, fingindo-se de inocente para a mãe.
LEONTINA - Fiquei magoada, querido amigo, com o seu ar severo para a pobre Gisela. Receio que ela tenha compreendido todas as suas palavras; é de uma inteligência a viva e, por certo, vai ficar desgostosa.
TOCAMBEL - Desiluda-se, minha senhora; longe de estar desgostosa, sente-se, ao contrário, satisfeitíssima por me supor vexado. Não estou vexado, mas penalizado, pelas intenções falsas e maliciosas dela, e pela brandura e cega confiança da senhora. (...)
TOCAMBEL - Não acredito em nada do que ela diz; primeiro, porque está irritadíssima contra os tios que, muito provavelmente, a impediram de fazer qualquer disparate. E depois, porque ela nem sempre diz as coisas tal qual se passam, antes de condenar o seu irmão, espere a versão dele sobre os factos.
LEONTINA (soluçando) - Eu tinha-o por amigo, mas vejo que não o é. Pela sua influência na família, contava consigo para defender a pobre Gisela, e, afinal, o senhor esmaga-a com o seu desdém e juízos temerários. Pobre criança! Pobre anjinho caluniado.[3]

Aqui podemos perceber que, diferentemente do caso da Sofia de Meninas Exemplares, que sofria duros castigos da madrasta, Gisele é sempre defendida pela mãe (assim como pelo pai), que acredita ser a filha um anjinho. Gisele não recebe castigos físicos: é a vida que se encarrega de corrigi-la (com exceção das surras que leva das outras crianças quando as provoca). Seus pais realizam todos os seus caprichos e vontades. É na interação com outros personagens que ela é punida, como descobriremos ao longo do livro.
É o Sr. Tocambel quem primeiro indica o comportamento correto de uma menina para a época:
Falou-lhe então, suave, mas seriamente, da excessiva brandura dela para com a filha, do mal que lhe ocasionava e do triste futuro que lhe preparava. E conseguiu obter o seu consentimento para uma explicação com o mano Pedro.
Minha senhora, de alguma coisa vale a minha longa experiência; a Gisela tem de ser repreendida, castigada e tratada com severidade, até a senhora conseguir torná-la meiga, boa e sincera. Quanto ao Pedro, se a senhora não quer ir, vou eu lá sozinho e transmitir-lhe-ei as explicações que ele der.[4]

São recorrentes as menções à meiguice, doçura, obediência e delicadeza entre outros requisitos de bom comportamento para meninas/mulheres da época. As intervenções da família e amigos na educação de Gisele são sempre no sentido de torná-la mais meiga e obediente.
Com o passar do tempo, a mãe Leontina toma conhecimento do verdadeiro temperamento da filha e tenta tomar medidas para corrigi-la, ainda que muito relutante a princípio, mas sempre apoiada pelo irmão e amigos da família. Sua mãe a aconselha a ser a ser “meiga, delicada e obediente”, como condição para ir ao aniversário da tia, porém depois de uma travessura com a Sra. Tomme, sua professora, a quem considerava maçante e estúpida, proíbe-a de ir à festa. Gisele recorre então a seu pai. A Sra. Monclair, tia de Leontina e amiga do Sr. Tocambel, acaba se tornando a voz da razão para a pequena Gisele, já que seus pais fracassam em impor limites à pequena (o pai se recusa a ver que a filha é falsa e mentirosa e à mãe falta-lhe pulso firme para educa-la):
Nova rebeldia da Gisela e nova fraqueza do Vítor. Nem sei já que dizer, nem como proceder! Acolhi-me ao quarto para fazer cessar as impertinências da minha pobre filha. Cada palavra sua, de zombaria e insolência, e a passividade de Vítor, atinge-me duramente.[5]

Ela sempre tenta chegar a um acordo com Gisele por longas conversas, fazendo-a perceber o quanto se comportou errado e o quanto se beneficiaria se fosse bem-comportada.
-Ora, vejamos! Então, nem és meiga, nem boa, nem obediente, nem mesmo delicada. Assim já compreendo que a mamã te castigue.... Ora, isso deve, por certo, aborrecer-te, não?
Ser censurada e punida...
- Se lhe parece, tiazinha! É irritante!
- Tens razão, lá isso tens! Quando eu era pequenina, muito me aborrecia que me ralhassem, e muito mais o ser castigada. Mas a verdade é que não há nada a fazer: que remédio, senão ceder? Uma criança é sempre fraca, está sempre do pior partido.[6]

No trecho seguinte da conversa, fica evidente o papel da religião na educação e sua importância para a própria Condessa:
- Sim, pobre criança, é assim mesmo. Para obviar a tudo isso, eis o que tens a fazer. Quando a mamã ou a criada te impedirem de fazer uma coisa que te agrada, ou te mandarem executar aquilo que te desagrada, diz para contigo: Que remédio tenho eu senão obedecer, visto que sou uma criança. Se isso não bastar, diz ao bom Deus: Dai-me, Senhor, a coragem de obedecer. Verás como logo foge o desejo de lhes resistir.
- Mas, querida tia, desde que eu resista, quase sempre cedem.
- Nem sempre, nem sempre! Não jantaste com o tio daquela vez; não envergaste o vestido azul esta manhã... e ainda bem, pois serias o escárnio de toda a gente, assim vestida. O pior é que tu és mais infeliz, quando o papá te apoia contra a vontade da mamã. Não és tola nenhuma e, no fundo, também não és má; o teu coração está longe de ficar sossegado. Quando notares que estás a ser má depois de ter resistido, pensa que terrível não é a gente parecer-se com o Diabo, em vez de nos parecermos com o bom e amoroso Jesus, com a Santíssima Virgem, com o teu bom anjo, e diz para ti: Não quero ser feia como o Diabo; quero ser linda como Nossa Senhora.[7]

Outra qualidade reforçada na educação das meninas é de que devem ser lindas, belas, como no trecho seguinte, onde também percebemos a maneira como é mimada pelo pai:
- Mas eu sou sempre linda, quer seja boa, quer seja má; assim mo diz o papá, e assim mo dizia, há tempos, a própria mamã.
- Olha, Gisela; eu por mim, acho-te linda; garanto-te, contudo, que és feia e desagradável à vista sempre que praticas qualquer maldade. Ainda há dias dizíamos em casa do teu tio Pedro: quando a Gisela se emenda, fica bonita, a ponto de mal a reconhecerem. Suponho que preferes ser bonita a ser feia, não?
- Decerto, minha tia.
- Pois então, sê boa, dócil e meiga, para ficares bonita. Mas não te esqueças de chamar em teu auxilio o bom Deus, a Santíssima Virgem e o teu anjo protetor.
- Pois bem, minha tia, vou pensar nisso a sério.
 - Quando te vier o desejo de ser indelicada com a mamã, lembra-te de que todos deplorarão o facto e te hão de detestar e desprezar, pois nada há tão revoltante como a insolência de um filho para com os pais.
- Oh, o papá não se importa. Continua a fazer-me todas as vontades.[8]

É aconselhada pela tia a ser uma “menina muito boazinha, meiga, obediente, delicada” e também a pedir a seu pai que não interfira quando a mãe a estiver repreendendo. Ao fazê-lo, Sra. Monclair diz ao Sr. Tocambel que Gisele “está linda como um anjo e mansa como um cordeiro”.
A calmaria não dura muito tempo e Gisele tem algumas reincidências. Na ocasião da festa, cisma com fitas brancas para o vestido e a mãe cede, inutilizando as antigas (algo que incomoda a criada). O pai permite que faça o penteado caro como deseja. Aqui percebemos como a personagem sempre acaba sofrendo com suas más decisões. Acaba com um penteado ridículo, de forma que as outras crianças zombam dela, rasgam seu vestido e a fazem chorar, sendo então consolada pelas tias.
Ainda na festa, ocorre um sorteio e o senhor Tocambel ganha lindos sapatinhos vermelhos, objetos de cobiça de Gisele, que ganhara uma faca e um espelho, desdenhando-os. As crianças desejam os presentes de Gisele, mas ela não os dá. Acaba perseguida e lhe tomam os objetos, pois chama as crianças de estúpidas e insuportáveis. Também toma a decisão de roubar os sapatinhos do senhor Tocambel, que prega uma peça nela e contrata um falso policial para que ela confesse. Ela pede desculpas e é perdoada.
Gisele, curiosamente, tem consciência de seus atos, porém acaba agindo por impulso. É interessante que ela reconhece seus erros e passa a rejeitar os pais (principalmente o pai), afirmando que confia somente na Sra. Monclair pois ela impõe limites e conversa com ela; em um ponto achega a afirmar que não ama mais o pai porque este a mima e que não ama a mãe porque está a teme. Nesse ponto, a Condessa parece didaticamente conscientizar os pais da importância de se educar corretamente os filhos e não ceder a seus caprichos, mostrando que aceitar tudo cegamente não significa amor incondicional e é prejudicial às crianças: elas perderiam a confiança nos pais (já que não cumprem seu papel de protetores e educadores) e passariam a rejeitá-los. Em outro episódio do livro, Gisele insiste em chegar perto da jaula de um urso (apesar dos avisos dos tios) chega a ser arranhada e joga a culpa no pai por não “impedi-la”: “Nem sempre se deve fazer o que peço, bem o sabe o papá”. Foi repreendida pela Sra. Monclair.
Depois de muitas travessuras e maldades (com a nova professora principalmente, a Sra. Ronde), o irmão de Leontina sugere que a melhor solução para a menina seria o convento. A Sra. Monclair, utilizando psicologia reversa, acaba por convencer Gisele:
- Quando desejo uma coisa a valer, sempre a obtenho. Se quisesse ir para o convento, ninguém mo impediria, nem me expulsariam depois de lá estar.
- Pois eu informo-te que saías. E, dizendo isto, deixou a sala. Estás apanhada! - Disse para consigo- contanto que os pais me deixem agir! Arreliando-a um pouco com a saída forçada do convento, ela quer ir, só para nos fazer pirraça. E, uma vez lá, que remédio tem senão habituar-se a obedecer, a trabalhar, a ceder! Falar-lhe-ão de religião, de caridade, de doçura e bondade e, daqui a dois anos, temos uma Gisela emendada. [9]

Para a surpresa de todos, Gisele se dá muito bem no convento, faz amigos. E as férias passadas em casa é que se tornam penosas. Aqui, a Condessa faz mais uma menção ao comportamento esperado de uma menina, dando a entender que o que falta à menina é realmente disciplina (tanto que ela passa até a sentir falta dela): “Gisela estava séria; o prazer de regressar ao convento, onde se dava tão bem, era temperado pela disciplina que lá reinava”[10].
Ao final de dois anos (um ano a mais porque Gisele fez birra), a menina passa a achar o convento um lugar monótono e volta para casa, “sem deixar saudades nem afeição em ninguém”.[11] Gisele é encantadora e irrepreensível até decidir ser dona de uma poltrona e expulsar a tia que lá estava. Entra em cena Juliano Montimer, rico e descrito como amável, independente e encantador, amigo da família. Acaba por ter certa influência positiva sobre Gisele.
Algumas situações descritas no livro acabam por se revelarem um ato de rebeldia ou malcriação pelo fato de ser um comportamento que se desviava da conduta apropriada para uma mulher da época, não se configurando necessariamente malcriações. Por exemplo, no episódio em que Gisele resolve andar a cavalo e é repreendida pelos homens, pois seria perigoso. Sua resposta é bem feminista: “Se os homens cavalgam, por que não o hão de fazer as senhoras? ”. As justificativas do pai são de um machismo disfarçado:
GERVILLE - É que nós, os homens, somos mais desembaraçados; não perdemos facilmente o sangue-frio, podendo saltar do carro...
GISELA - Também posso saltar.
GERVILLE - Não tão facilmente; as saias embaraçar-se-iam no rodado, dificultando-te os movimentos.

Como podemos perceber, aqui suas ações não são de modo algum perversas ou próprias de uma criança mimada: ela deseja apenas um tipo de liberdade a qual seu sexo não tem acesso na época. Com o passar da infância à adolescência, as atitudes de Gisele deixam de ser aquelas de uma criança mimada e passam a ser de uma mulher independente, ainda que, pelas ideias da época, seus desejos se tornem absurdos e sua recusa em aceitar o comportamento da época colaborem para que os outros a infantilizem:
GISELE - Julga então o Sr. Juliano que o papá e o tio correm perigo na minha companhia?
JULIANO - Estou absolutamente convencido disso, pois que, em vez de pensarem nos cavalos e de estarem despreocupados em caso de perigo, só pensarão na menina, deixando de guiar a parelha, como seria necessário.
GISELA - Nesse caso vou já descer - disse ela, saltando em terra.
Juliano congratulava-se com o facto e dizia consigo mesmo: Se lhe fizessem ouvir a razão, tinham-na doce como um cordeirinho. Mas não a sabem levar![12]

            Gisele, ao completar 18 anos, deseja se casar, já que se sente entediada em casa e não deseja obedecer a ninguém. A resposta do pai é representativa da sociedade patriarcal da época: “E julga, filhinha, que o casamento te dispensará da obediência? ”. Como resposta, Gisele declara que saberá casar com alguém que a deixe ser senhora de suas ações e se decide por Juliano. A mãe adora a ideia por considerar que Juliano, sendo muito prudente, colocaria a filha nos eixos.
            É a própria Gisele quem comunica a Juliano suas intenções, mais um indicativo de sua personalidade forte e independência ainda que procure diminuir e controlar sua própria rebeldia que julga não ser um comportamento adequado ao afirmar para Juliano “Talvez o senhor, tão sensato e bondoso, possa me transformar” ou mesmo ao afirmar para seu pai que gosta de Juliano justamente por este lhe dar lições, inspirando-lhe confiança (sugerindo que osensato é uma certa submissão ao marido). Contudo, o Duque de Palma também lhe faz uma proposta: riquíssimo e pouco inteligente, promete realizar todos os desejos de Gisele e ser seu escravo. Juliano, pelo contrário, deseja uma vida pacata da aldeia, algo que faria Gisele morrer de tédio, já que gosta de festas.
            Gisele acaba decidindo pelo Duque e acaba arruinada: os dois gastam toda a fortuna, ela vive em festas e o marido começa a ter casos. Viciado em jogos que o arruinaram de vez, culpa Gisele e a abandona. É abandonada por todos. Nos capítulos finais, opera-se uma radical transformação do caráter de Gisele, motivada por seus infortúnios.
Finalmente, vencera a razão; o coração abrira-se à ternura filial; tornara-se sincero o seu arrependimento; era horrorizada que refletia nos desgostos de que enchera os pais e o marido. (...) Morte tão desgraçada não pôde deixar de causar viva impressão em Gisela, fazendo-a voltar aos sentimentos cristãos, que por completo esquecera no turbilhão do mundo e seus prazeres.

            Então com 27 anos, é tomada por um sentimento de culpa, pois acredita ter arruinado o marido e não ter dado a devida atenção aos pais, de quem passa a cuidar com dedicação e carinho. Deixa os interesses mundanos e consagra-se à felicidade de Juliano, filhos e pais. Sua filha parece puxar o espírito impetuoso da mãe e a própria Gisele considera que será corrigida por repressão prudente e sensata.
A mulher forte e independente à frente de seu tempo, personagem que a Condessa constrói mesmo sem saber para passar justamente uma lição de moral às que fogem ao bom comportamento, sofre até se ajustar aos parâmetros da época: Gisele tornou-se, afinal, bela, recatada e do lar. 



[1] A menina insuportável – Capítulo I. Disponível em: http://bibliotecasemlimites.comunidades.net/a-menina-insuportavel-condessa-de-segur

[2] A menina insuportável – Capítulo II.

[3] A menina insuportável – Capítulo III.
[4] A menina insuportável – Capítulo III – Grifo nosso.

[5] A menina insuportável – Capítulo X.
[6] A menina insuportável – Capítulo X.
[7] A menina insuportável – Capítulo X – Grifo nosso.
[8] A menina insuportável – Capítulo X.
[9] A menina insuportável – Capítulo XVIII.
[10] A menina insuportável – Capítulo XIX.

[11] A menina insuportável – Capítulo XXI.

[12] A menina insuportável – Capítulo XXII – Grifo nosso.

m e n i n a s exemplares

1857 - As meninas exemplares

Les Petites Filles modèles

Antes de adentrarmos na obra, é fundamental contextualizá-la para realizarmos um recorte coerente com a construção da imagem feminina nela explicitada.
Trata-se de uma obra da segunda metade do século XIX, 1856 exatamente, época em que, embora começasse a emergir uma preocupação maior com a educação das crianças, não havia ainda um olhar para características do mundo infantil, uma educação pautada por uma psicologia infantil. Essas características ainda não eram respeitadas, visto que as crianças eram submetidas à ideologia do adulto. A infância como fase de preparação para uma vida adulta muito bem delimitada, sem espaço para subjetividades. Principalmente em se tratando de mulheres, essa preparação era ainda mais rígida e restrita.
O título da obra já traz a valorização de meninas muito bem moldadas ao sistema e ideologia da época, contudo a protagonista é uma menina colocada como contraexemplo sob a perspectiva da época. Resumidamente, em “As Meninas Exemplares” o leitor é apresentado às irmãs Camila e Madalena, crianças que nunca brigam, que convivem perfeitamente bem. Elas vivem com a mãe viúva, Sra. Fleurville, e com a Sra. Rosbourg e sua filha Margarida, estas últimas acolhidas após terem sido resgatadas de um acidente de carruagem com ajuda das duas irmãs, incidente narrado logo nos primeiros capítulos. Madalena e Camila, as meninas exemplares da história, mesmo sendo muito jovens (7 e 8 anos, respectivamente) já têm grande parcela de responsabilidade na educação de Margarida, como por exemplo visto no capítulo IV “Reunidas Para Sempre”:
— Minhas filhas, disse-lhe Mme. De Fleurville, se vocês querem deixar-me mais feliz ainda do que tenho sido até aqui, é preciso que redobrem em aplicação no estudo, em obediência às minhas ordens, e em amizade entre si. Vocês serão as encarregadas na educação de Margarida, debaixo da orientação da mãe dela e da minha. Para que ela seja boa e obediente, é preciso que vocês lhe dêem bom exemplo.

 Margarida passa a se esforçar para se tornar tão virtuosa e obediente quanto as suas novas amigas. Ou seja, Margarida é colocada como um exemplo bem sucedido de educação. Ela corresponde, ao longo da história, muito bem às expectativas das figuras femininas exemplares.
Sofia, a menina contraexemplo, protagonista de todas as peripécias, surge no capítulo VII chamado “Camila é Castigada”, desestabilizando a normalidade. Ela é uma órfã que mora com sua madrasta, Sra. Fichini, que a maltrata e espanca. A madrasta viaja à Itália e deixa Sofia sob os cuidados das Sras. Fleurville e Rosbourg. A menina inicia um percurso de aperfeiçoamento moral, no qual ela aprende a ser mais contida e obediente.
Nesse capítulo entendemos a pressão a que as meninas são submetidas. Elas precisam ser dotadas de características idealizadas, com isso não se permitem errar e agir espontaneamente e irracionalmente como uma criança. Em dado momento, Camila reage instintivamente ao dar um tapa em Sofia por ter empurrado com força Margarida, que tentou frear sua vontade de apreciar as flores estragando o pé de morango. Mme. Fleurville estranha a atitude de Camila e dá uma dimensão muito maior para o ocorrido, tratando esse pequeno desvio comportamental como inadmissível. Diante da Mme. Fichini Camila omite o que Sofia fez e assume a culpa sozinha para que a menina não apanhe ainda mais:
— Obrigada, Camila, por você não ter dito nada do que eu fiz. Se a minha madrasta soubesse, iria me bater com chicote até tirar sangue.
Violência contra a protagonista perpassa toda obra. Tatiana Argeiro em sua tese “Violência e Práxis na Literatura Infantil e Juvenil: Uma Análise Comparativista” aborda detalhadamente a prática da violência na obra da Condessa e contextualiza-a:
“É importante lembrar que já no período, de acordo com os relatos de Ariés, o hábito de bater nas crianças já era tido como violento, e as surras eram mais aceitas nas comunidades rurais. Desta forma, podemos ler as severas punições de Sofia como atos violentos, uma vez que a personagem faz parte de uma classe aristocrática. Além disso, pensando o elemento espacial dos livros, notamos que os enredos se passam no campo, mesmo sendo a família da cidade. Ao relacionarmos o motivo principal dos livros, especialmente em Sofia, a desastrada, que é moldar e educar Sofia, sua passagem pelo campo, longe da chamada vida em sociedade, simboliza um treinamento para um futuro na cidade. Assim, após suas aventuras e consequentes castigos, ela poderá ser uma jovem adaptada e aceita.” (pg. 40)
Todas as outras personagens percebem o exagero dos castigos impostos pela Mme. Fichini e não corroboram seus meios de educar Sofia. Conseguimos captar a crítica da autora ao modelo de educação pela violência física. Sob os cuidados da Sra. De Fleurville, Sofia inicia uma nova experiência educacional na qual deve obediência absoluta, onde aprende a repetir um modelo. Em seus castigos ela aprende a refletir sobre seus erros e a se arrepender de seus atos. A mensagem pedagógica que se tem a cada capítulo é a da necessidade de severidade sem apelar para a violência física. Essas narrativas de violência seguem uma dinâmica dessa prática nos contos de fada, tal influência é possível de ser observada na obra:
“Enquanto esperava pela criada, Mme. de Fleurville, senta-se na cadeira e olha para Sofia, que tremendo diante da calma dela, daria tudo na vida para não ter rasgado o papel e quebrado a caneta.
Assim que a criada chegou, Mme. de Fleurville disse:
--- Você vai escrever dez vezes a reza que eu já tinha mandado você escrever. Você sòmente irá comer hoje sopa, pão e água. Vai pagar com o seu dinheiro tudo o que você estragou, não verá suas amigas mais de dia, irá passa-los todos aqui, com exceção de duas horas em que sairá para tomar um pouco de ar com a criada. Só sairá desta prisão quando estiver arrependida, mas realmente arrependida. Você deve pedir perdão a Deus da dureza do seu coração em relação aos pobres, pela sua gula e egoísmo, pelo que fêz a Margarida, e ainda pela raiva que a fêz estragar tudo o que estava aqui. Eu espera que você já estivesse calma, e que pudesse estar realmente arrependida. Mas, pelo que vejo, deve esperar até amanhã. Até logo e reze para não morrer sem ter tido o devido arrependimento.” (Capítulo, XVI – O Quarto da Punição, p. 84-85.)

Trazendo para a perspectiva atual, compreendemos a “rebeldia” e a falta de condescendência de Sofia como uma construção humanizada da personagem, que desafia a norma da vida adulta. Ela possui personalidade forte, que é a todo momento bloqueada e impedida. Isso também diz muito sobre o processo de se tornar mulher dentro do sistema da época. Ou seja, existe uma dimensão de gênero nessa preparação para vida adulta. 
Trata-se da primeira obra autoral da Condessa Ségur e foi inspirada nas memórias que ela possuía das aventuras de seus filhos e netos. Geralmente seus livros possuem narrativas curtas, retiradas da observação do cotidiano e das brincadeiras infantis, e de como elas podem servir de assunto para ensinar a moral, os bons costumes, educar e formar um caráter exemplar.
Explorando as ações do humano em sua interação social, em 1857 a Condessa publica a obra “As meninas exemplares”. Este livro retrata o comportamento de duas meninas, Camila e Madalena, que são dotadas de um ótimo comportamento, e que devem servi de exemplo não só para as crianças leitoras ou ouvintes da época, assim como para as demais crianças que dão continuada a sua obra como personagens.


Através dessas narrativas, a Condessa quer despertar nas meninas um instinto maternal, caridoso e recatado. As histórias possuem um tom engraçado, pois foge do mundo lúdico dos contos de fada, onde o imaginário é construído por metamorfoses, mágicas e relações como o maravilhoso.  Na Condessa a aproximação do mundo imaginário infantil é feita pela criatividade das brincadeiras e ações das próprias crianças, o que torna mais verossímil as lições.

selfie da c o n d e s s a

c o n d e s s a do quÊ?

DE   S É G U R !!! mas fala "seguir" com o típico biquinhofrancês

S É G U R é uma comuna francesa na região administrativa de Midi Pyrénnée, cujo cenário muito se parece com o de Game of Thrones, e pertence ao departamento de Aveyron. Estende-se por uma área de 67,05 km². Em 2010 a comuna tinha 578 habitantes (é... não tem no WAR, mas Ségur existe, sim).